Aquele Cachorro

Publicado: 19/02/2024 em muito feliz

Um dos maiores erros da humanidade, e aqui digo as mulheres em sua maioria, é chamar um homem de cachorro. Em minha opinião, acho que cabe uma reparação histórica sobre este comportamento errôneo.

Há algumas décadas atrás os cachorros eram tratados como mercadorias adquiridas, treinados e tratados para vigiar e proteger a casa, e no campo tinham a tarefa de conduzir o gado, características típicas de sua ancestralidade vinda dos lobos selvagens: servir, proteger e atacar. Na casa da minha avó tinham dois cachorros que durante o dia viviam presos em correntes sob o sol, a chuva e o frio, à noite eram soltos pra assegurar que ninguém invadisse o quintal. Eram alimentados com restos de comida, tomavam banho apenas se chovesse, eram carregados pelas pulgas e nunca conheceram um veterinário. Esse tratamento aos animais era visto como algo comum na sociedade daquela época, não havia carinho por eles, cuidados e nenhum apego sentimental. Na velhice eram descartados à própria sorte e mandados para o abate, pra isso era só chamar a Carrocinha.

As transformações sociais, biológicas e culturais trouxeram um avanço na maneira como a sociedade passou a enxergar os animais domesticáveis, ressignificando as relações humanas com esses seres. Da corrente no quintal para a almofada do sofá o caminho foi curto. A necessidade de companhia aliada a uma coleção de decepções sentimentais levou muitas pessoas a encontrar nos animais uma boa dose de ocitocina – o hormônio do amor, capaz de gerar prazer e promover laços afetivos.

Podemos afirmar que essa ligação emocional com os Pets tem se tornado uma grande fonte de apoio para nós. Decepção e descrença no amor de gente, o distanciamento familiar, solidão e depressão, tudo isso faz com que os pets ocupem um lugar único em nossos dias aliviando as tensões, o stress e diminuindo a tristeza. Perceba que os animais nunca decepcionam, são leais, fieis, transmitem estabilidade emocional, são verdadeiros quando gostam e sensitivos quando não gostam. É uma relação de troca: amor e lealdade versus nosso coração. Se tornaram membros da família e em alguns casos, mais amados que a própria família. E se você acha que só faltam falar, preste atenção e verá que os cachorros o fazem com o olhar. Nos entendem além de nós mesmos e são capazes de equilibrar nosso emocional.

E depois de toda essa reflexão voltamos na questão inicial: por que algumas mulheres na hora da raiva dizem que Fulano é um cachorro? Como assim? O Fulano é um safado, imprestável, sem vergonha, traidor, cretino. Qual a semelhança com o pet que lhe é fiel, se alegra com sua chegada e só tem olhos pra você? Eu tive um cocker spaniel e fui mais feliz com ele por catorze anos do que os dezoito de casamento vividos. Tempos atrás fui criticada por deixar minha cachorra dormir comigo, mas qual o problema? Eu já dormi com gente pior…

E se você acha que chamar um homem de cachorro está associado a um vira-latas, reveja suas palavras. O Caramelo vai dominar o mundo!

Livramentos

Publicado: 09/01/2024 em muito feliz

Chega final de ano e todo mundo faz aquele balanço geral de tudo o que viveu. Sempre digo que gosto de olhar pra frente, então não sou de retrospectivas mas sim de perspectivas. O que passou já foi, é estrada que não se volta pra trás, os passos são pra frente, novos horizontes. Mas esse ano que terminou foi diferente, muitas coisas e acontecimentos até mereceriam a tal da retrô porque foram aberturas de caminhos e objetivos concretizados.

Comecei bem o ano consolidando um grande passo profissional. A chegada dos cinquenta e mais alguns pediu um olhar especial pro check-up e iniciei uma série de consultas em várias especialidades e uma tonelada de exames. Foram tantos exames de imagens que eu poderia montar uma exposição no MAM. Tubos de sangue que alimentariam uma família de vampiros. E resultados surpreendentes. Tudo pela saúde e longevidade.

Também fui cuidar da minha marca registrada e acertei profissionais que descobriram uma má formação dentária genética. O tratamento corrigiu mais de quarenta anos de gambiarras e me proporcionou a alegria de comer um pé-de-moleque sem medo. É sério, sorrir é uma delícia! Transformar o mundo através do sorriso, é pra poucos. A maioria vive de mau humor mesmo com todos os dentes.

E não parei por aí. Tirei o DIU que não servia pra mais nada, tirei dois dentes e conservei o juízo, tirei a vesícula com quatro pedras e de quebra, eliminei alguns quilos, troquei móveis, doei roupas, calçados, objetos e o que não mais servia, fiz livros circularem, apaguei e-mails antigos e muitas lembranças, tirei contatos da agenda e excluí sem dó algumas pessoas da minha vida pois eram apenas passageiros. Quero comigo apenas quem faz a viagem ser divertida.

Fiz de 2023 o ano dos livramentos em prol da leveza de espírito. Muitas coisas que carregamos, são pesos desnecessários. Percebi uma clareza na alma, nenhum arrependimento e só ficou o que e quem vale a pena levar. No balanço final, gostei do resultado.

O novo ano é bissexto, a bagagem é leve e o espaço livre só comportará a positividade, sorrisos sinceros, umas plantinhas e quatro patas.

Cheiro de Livro

Publicado: 29/06/2023 em muito feliz

Meses atrás fui surpreendida com a notícia da recuperação judicial da Livraria Cultura e entrei em desespero. Não sou credora da empresa, meu descontrole foi pensar que poderia estar em risco a perda do meu refúgio. Pessoas engajadas tentaram vários movimentos e manifestações para salvar o nosso espaço em comum. Foi em vão… no ultimo dia 26 de junho fechou as portas deixando milhares de fãs órfãos do melhor rolê cultural da Avenida Paulista.

Era parada obrigatória, ponto de encontro, local pra esperar a chuva passar, flertar, pra se divertir com as crianças, ler a sinopse de um livro deitada nas poltronas e puffes, garimpar um vinil raro, participar de uma sessão de autógrafos ou alguma apresentação musical, ser um pouquinho super herói nas prateleiras geek e até tirar foto com o E.T. do diretor Steven Spielberg, que alías tenho várias abraçadas a ele. Era ali que eu encontrava títulos de filmes antigos pra presentear minha mãe e tomávamos um chocolate quente com essência de avelâ. Na Cultura o tempo era mágico, tipo a Caverna do Dragão, depois que entrava, era difícil sair. E quando eu saía, levava sempre um livro pra casa. Era lá ou então na Saraiva que eu procurava os últimos lançamentos de Martha Medeiros.

No filme “Mensagem para Você” estrelado pelo casal Tom Hanks e Meg Ryan, Joe Fox abre a primeira ultra mega gigantesca livraria Foxbooks e acaba fechando a pequena e lendária livraria infantil de bairro fundada pela mãe de Kathleen e herdada por ela, a Loja da Esquina. No Brasil temos a centenária Livraria Saraiva. Com sua primeira loja aberta em 1914 ao lado da Faculdade de Direito de São Paulo, chegou ao ápice em 2008 com suas megastores de shopping e mais de um milhão e meio de clientes, hoje lhe restam pouquíssimas lojas físicas abertas, O fantasma da falência fez morada nas grandes livrarias e vimos uma a uma fechar suas portas. Laselva, FNac e agora a Cultura.

Não é difícil achar o motivo que tem levado nossas livrarias para o buraco. E não vou culpar somente a ambição em se tornarem as maoires nem a crise financeira do país, a era da internet mudou totalmente o comportamento humano. Os jovens perderam o hábito da leitura e as crianças quiçá sabem o que é isso, já nascem com um celular nas mãos. Qualquer pesquisa escolar já correm pro Google. Ali nem precisar ler, o esquema é: clicou, copiou, colou e temos um trabalho pronto. O resultado da falta de leitura é visto nos pequenos textos de redes sociais, geralmente mal escritos, sem concordância e sem idéia central. A leitura hoje se resume às redes sociais. Nada além disso.

Ninguém mais compra um jornal, um livro didático ou um livro de receitas. Está tudo na palma da mão, notícias, informação, fofocas, filmes. Não precisam de espaço físico nem de atendentes. Fácil, prático e rápido, mas arrisco palpitar que não tem brilho e dessocializou as pessoas. Estamos todos presos na leitura de uma telinha. Acabou o tesão de sentir a textura, o cheirinho do papel, o ruído das páginas sendo viradas e a espera pelo próximo título.

E com a perda da Livraria Cultura, guardaremos em nossos smartphones algumas fotos de inícios de romances, cafés memoráveis e grandes encontros promovidos naquele imenso salão de arquitetura em madeira, como aquele que numa noite há onze anos atrás, sem querer esbarrei no querido maestro João Carlos Martins. Essa porta fechada tirou um pedacinho de mim…

La Barca

Publicado: 23/06/2023 em muito feliz

Todo mundo tem uma música que conta uma história, seja de amor, de saudade, música que lembra a infância, um acontecimento ou uma pessoa. Digo sempre que música boa nem a pior pessoa que passou por sua vida, consegue estragar. A música é boa e pronto. Além de contar histórias, tem música que é a própria pessoa, vira marca registrada. Meu irmão aos dez anos de idade cantou Somewhere Over The Rainbow no Teatro Municipal de São Paulo. Quarenta anos depois ainda me faz lembrar o feito histórico. With Or Whitout You da banda irlandesa U2 é minha identidade. Já foi o toque do meu celular, a música de espera, despertador, já recebi serenata, ganhei versão em voz e violão e tatuei na pele.

Músicas são marcantes tal qual perfume. E quando você escuta, a música faz voltar o tempo e reviver um momento. Sempre que ouço La Barca lembro da história daquele casal. Foi há uns vinte e tantos anos atrás num jantar dançante da igreja. O salão estava cheio, a pista de dança demarcada pelas mesas decoradas ao redor, familias reunidas e todos alegres. Comida boa, bebida à vontade e muitos casais pé de valsa. Os mais idosos davam um show à parte com tamanha disposição, vigor e passos sincronizados ao som das músicas de gêneros diversos pra agradar a todos. Do bolero ao rock, dos anos 50 aos 90, tocava de tudo um pouco.

Foi quando a moça ouviu os primeiros acordes da canção La Barca, interpretada pelo mexicano Luis Miguel. Virou-se rapidamente para o então marido e o chamou pra dançar. Com toda a educação, fineza e carinho que lhe eram peculiar, o então marido sem perceber a plateia formada pelos parentes, bradou em alto e bom tom um sonoro “Deus me livre dançar isso aí, nem gosto dessa música”. O brilho característico no sorriso da moça se apagou e ela toda sem graça, sentou-se quietinha.

Alguns rapazes sentados na mesa ao lado, presenciaram a tórrida cena do casal. No instante seguinte um deles se levantou e dirigiu-se ao então marido, estendeu-lhe a mão direita e suavemente disse “Já que você não quer dançar essa música maravilhosa com ela, dança comigo”. Foram tantos risos de todos ali em volta, familiares, os amigos, os ocupantes das mesas vizinhas, que o Então Marido sorriu sem graça e foi dançar com a esposa. Dançaram sim, mas pra moça, o acontecimento foi mais um dos inúmeros episódios desses que vai matando os sentimentos aos pouquinhos, sabe…

O tempo passou, vieram outros bailes, outros jantares e outras festas, mas nunca mais ela dançou com ele, perdeu o encanto. Soube que anos depois ela estendeu-lhe a mão e o convidou para se retirar da vida dela, O Então Marido literalmente “dançou” e não serviu nem pra estragar a música, ainda bem!! A moça seguiu carreira solo, dança sozinha e promove um espetáculo por onde passa.

Conflito de Gerações

Publicado: 16/03/2023 em muito feliz

Não é uma continuação do meu texto de dois meses atrás, mas senti a necessidade de falar sobre idade novamente. Dessa vez, um abraço formado por letras, palavras e expressões para acolher uma grande parcela da população dos quarenta mais. Patrícia, é uma delas, mulher universitária de quarenta e quatro anos que foi ridiculamente desrespeitada por um trio de colegas de classe que faltaram na aula de educação e empatia.

Não adianta falar que o vídeo foi feito na inocência. As três tinham maldade e deboche quando se referiram à companheira de sala. Caiu na internet, já era. Podem até apagar o vídeo, se desculparem publicamente, mas a repercussão foi bem negativa e dificilmente sairá do memorável currículo acadêmico. Se o intuito era desencorajar a moça, a brincadeira de mau gosto deu gás a milhares de “tios e tias” a não desistirem do sonho da graduação.

Faltou ao trio sair da bolha de seus mundinhos e buscar conhecimento dos fatos atuais. Um exemplo, as pobrezinhas não sabem que precisarão trabalhar por no mínimo trinta anos para se aposentar, e não farão isso aos quarenta como sugeriram à estudante Patrícia. A boneca Barbie já tem mais de sessenta anos, está na ativa e atua em várias profissões, imagina nós seres mortais que precisamos nos reinventar todos os dias.

Com tempo de sobra nas redes sociais em busca de fama, passou despercebida pelas criaturas a história do senhor Roberto que dias antes, se formou em Gestão Financeira aos 78 anos de idade. Logo após a cerimônia de formatura onde foi homenageado e aplaudido de pé, ainda de beca e levando o canudo como se fosse um troféu, o recém formado caminhou em passos firmes pelas ruas de Varginha no interior de Minas Gerais até chegar à casa de sua mãe, uma senhorinha de 98 anos. Emocionados, choraram juntos a conquista. Histórias como a de Seu Roberto e da Patrícia, se cruzam em nosso cotidiano e nos coloca pra pensar sobre muitos pontos. Um deles é que tipo de juventude estamos criando. Outro ponto é a capacidade que temos de realizar nossos sonhos e que estes não tem prazo de validade.

A vida não segue um padrão linear onde a evolução humana é sincronizada. Não há mais idade pra isso ou aquilo, tudo acontece quando o tempo de cada um amadurece. Isso serve para casar, ter filhos, comprar o primeiro imóvel, se apaixonar, aprender um idioma, mudar de país, voltar pra casa dos pais, recomeçar, mudar de profissão, empreender. Podemos fazer planos futuros mas nem sempre eles acontecem em cadência. Quais são as garantias que seguir a ordem dos acontecimentos garante a felicidade? Onde está escrito que existe idade certa para certos feitos?

Os exemplos a seguir são conhecidos de todos, mas vale lembrar que o Coronel Sanders, dono do KFC, só viu sua franquia de restaurantes fazer sucesso aos 65 anos. O fundador do Mc Donalds começou sua história aos 52, inclusive indico o filme Fome de Poder que conta sua história. O farmacêutico Pemberton tinha 55 anos quando ao testar medicamentos para dor de estômago, inventou a Coca-Cola. José Saramago se tornou celebridade com 60 anos. Em solo tupiniquim Ana Maria Braga começou na TV com 43 anos e de quebra, deu visibilidade à Palmirinha que aos 68 anos se tornou ícone dos quitutes.

Não soubemos qual foi a reação dos pais dessas moças diante da repercussão do caso, mas se eu fosse a mãe, que deve estar na mesma faixa etária da Patrícia, me matricularia pra estudar na mesma turma da filha. Seria talvez a melhor lição, mais valiosa que uma surra. Eu e meu filho fizemos faculdade na mesma época. Quando estava para trancar meu curso e priorizar o dele, recebi seu apoio emocional pra não desistir. Me formei um ano antes e vivi uma das maiores e melhores emoções ao receber seu abraço. Se para alguns jovens falta noção, para uma grande parcela sobra acolhimento e solidariedade e isso faz toda a diferença,

Agregar conhecimento não exige idade, para alcançar o sucesso não precisa apresentar a certidão de nascimento. A limitação está no pensamento e nas atitudes. A vida é esse eterno aprendizado que nos permite enquadrar diplomas para quando perguntarem a nossa formação, possamos dizer: sou doutoranda ativa em realização de sonhos.

Não importa a sua idade. Nunca aceite que alguém lhe diga que está muito velha para iniciar um projeto.